Apesar de ter minhas ressalvas em relação ao Cristovam, esse texto é uma excelente ferramenta pedagógica para discutir o racismo no Brasil!!!
Por
Cristovam Buarque:
Nos
últimos meses, tenho aproveitado meu tempo livre para andar pelo País, levando
uma campanha chamada Educação Já. Como no tempo das Diretas Já, que mobilizaram
o Brasil pelo fim do regime militar, defendo que é hora de despertar o povo
para a necessidade de uma revolução no País, por meio da educação. Fazer com
que cada criança tenha a mesma chance na vida, com garantia de escola com a
mesma qualidade, não importa a renda da sua família ou o tamanho da cidade onde
more.
Na
última semana, visitei a Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, fundada e
dirigida pelo Reitor José Vicente. Essa universidade tem a maioria dos alunos
negros, como se houvesse uma cota para brancos. Tem boas instalações, oferece
cursos de qualidade. A primeira impressão quando entramos, e vemos dezenas de
jovens negros, é de que não estamos no Brasil, mas sim na África. No entanto,
aquela é a cara do Brasil. Deveríamos estranhar encontrar o contrário - apenas
brancos nos bancos universitários.
Esse
estranho estranhamento explica por que um estudante jovem, ao final da
palestra, pediu a palavra e desabafou: “Eu não sou Brasil”, declarou. “Vocês
são um Brasil, eu sou outro. Não sou o Brasil dos ricos, dos brancos, do
Senado, da Câmara, do Governo, da Justiça. Não sou esse Brasil que me ignora.
Fiz muito esforço para chegar à universidade. Vou conseguir um diploma, mas de
que ele vai adiantar, se eu não tiver emprego? E eu não terei um. Porque eu não
sou Brasil.”
Quando
um jovem afirma que não é Brasil, está fazendo uma declaração muito grave. O
que ele quer dizer é: “vocês são Brasil; eu não. Não sou esse Brasil que está
nos jornais; nas TVs oficiais, nas campanhas publicitárias do Poder Executivo
ou na impunidade alimentada pela Justiça.”
Mas
se ele não assumir sua nacionalidade, não terá futuro. Mesmo que fique rico e
tranqüilo, será ameaçado, assaltado, seqüestrado. Mesmo que consiga seu
diploma, o Brasil não será seu, se ele viver cercado de analfabetos,
miseráveis, excluídos. Ou o Brasil é bom para todos, ou não será bom para
ninguém.
Aquele
jovem precisa entender que é Brasil, mesmo que não queira. Ainda que decida
partir, emigrar, aonde for, será Brasil. Por isso, pedi-lhe que não desistisse
da luta, que ajudasse a mudar o Brasil. Porque se ele não o fizer, não terá
futuro sozinho.
Mas
seu desabafo deve servir de alerta para todos nós, governantes. Aquele jovem
pode não retratar o País em sua totalidade, mas representa uma parcela
significativa da população, que não se sente parte do Brasil oficial - o país
do Governo, do Congresso, do Judiciário. Que não vê relação entre o que se diz
e se faz no Brasil oficial e no Brasil de cada um, nem vê em nós a solução para
seus problemas. Como se, dividido pelo individualismo, corporativismo,
oficialismo, povo e Estado, o Brasil transmitisse aos jovens a idéia de que
eles não são brasileiros. E essa divisão nos destruirá.
Espero
que o grito daquele jovem nos desperte para a necessidade de mudar a maneira
como nós, governantes, pensamos, falamos, agimos. Ou despertamos, ou não haverá
futuro. Precisamos ouvir as pessoas que estão lá fora. Indignadas,
descontentes, frustradas e, acima de tudo, perdidas. Não confiam no País, não
conhecem seus líderes, ou pior, não têm líderes.
O
Brasil está empacado. Pode crescer na economia, no número de universitários,
mas não será uma nação civilizada, se não acabarmos com o fosso que nos separa.
Aquele jovem não estaria na universidade se não fosse a evolução por que passou
o Brasil nos últimos anos. Mas estar na universidade não basta, porque o que
ele aprende ali não lhe dará o emprego que ele gostaria de ter; e se der, não
dará a outros. E mesmo que dê emprego a todos os universitários, não resolverá
os problemas fundamentais da sociedade brasileira. Não bastará para construir
nosso futuro.
Não
haverá futuro para nenhum de nós, enquanto um jovem nos olhar nos olhos e nos
disser que ele não é Brasil.
Cristovam
Buarque é senador (PDT-DF)
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