sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Opinião: A gestão escolar e a mediação dos conflitos na escola


"Cerca de 15% da comunidade de alunos, pais, professores e funcionários é capaz de comprometer a administração escolar e o precioso tempo dos gestores. É onde está o ninho da serpente", afirma Jacir J. Venturi

Fonte: Gazeta do Povo (PR)


Minha experiência de 41 anos dentro de Escolas públicas e privadas, em todos os níveis, indica que cerca de 15% da comunidade de Alunos, pais, Professores e funcionários é capaz de comprometer a administração Escolar e o precioso tempo dos gestores. É onde está o ninho da serpente, fonte precípua dos conflitos e aborrecimentos.
No entanto, são adultos, adolescentes ou crianças que necessitam da orientação dos Educadores. É óbvio que os outros 85% têm demandas, cobranças e pontualmente geram desavenças, mas se enquadram dentro da normalidade. Como reduzir os conflitos? Elenco alguns motes ou regrinhas de ouro.
A primeira recomendação é difundir a cultura de que a diversidade é uma riqueza. Isso torna o ambiente Escolar mais amistoso e menos conflituoso. Somos diversos, porém não adversos.
É preciso também combater diuturnamente o bullying, uma das principais fontes de desavenças entre Alunos. A intensidade do bullying indica o quanto moralmente a Escola está comprometida. É responsabilidade dos gestores e Professores criar duas frentes de combate: prevenção e ação. É preventiva a implementação de uma cultura de respeito, tolerância e aceitação de que somos diferentes, sem esquecer da ação vigilante, proativa e punitiva sobre os agressores.
É preciso atacar o problema no nascedouro, antes que a marola vire uma tsunami. No início de uma contenda, o mediador deve aliviar a tensão com um toque de humor ou com uma frase de efeito, como a clássica de Shakespeare: “A tragédia começa quando os dois lados acham que têm razão”.
Encarar o problema de frente e não apenas tangenciar é uma necessidade. Mergulhar fundo. Muitas vezes, temos de contar com o decurso dos dias. O travesseiro é um bom conselheiro.
Também é necessário minimizar as posturas antagonistas de alguns pais – como se família e Escola em trincheiras opostas estivessem. A Escola erra sim e a família também. A tolerância ao erro, dentro de certos limites, é uma virtude e um aprendizado para a vida adulta. Sigmund Freud bem assevera: “Educar é uma daquelas atividades em que errar é inevitável”.
Ser bom ouvinte é qualidade indispensável. A natureza nos concedeu uma boca e dois ouvidos. A mensagem anatômica é explícita: ouça os dois lados e fale menos. É comum, nos arranca-rabos entre Alunos, haver duas versões antagônicas. E, quando a versão contraria os fatos, a primeira vítima é o fato.
A hierarquia e a disciplina, requisitos indispensáveis para uma boa organização, precisam ser mantidas. Ao não punir convenientemente os Alunos, os gestores e Professores pensam que estão sendo liberais. No entanto, então sendo concessivos, bonzinhos, e a futura vida profissional cobrará de nossos Alunos respeito às normas e à hierarquia. A Escola é um laboratório para a vida adulta.
A normatização tem papel importante na Escola, que necessita de uma boa rotina e, para tanto, de regras bem estabelecidas e bem cumpridas. Fazem parte de uma boa rotina Professores pontuais e com boa didática, funcionários solícitos, suporte tecnológico que funciona, banheiros e corredores asseados.
E, por fim, é preciso transmitir valores. O educando precisa de um projeto de vida. Desde pequeno, é importante que desenvolva valores inter e intrapessoais, como ética, cidadania, respeito ao próximo, responsabilidade socioambiental e autonomia, o que enseja adultos flexíveis e versáteis, que sabem trabalhar em grupo, abertos ao diálogo, às mudanças e às novas tecnologias. De todas as virtudes, a mais importante é a solidariedade: base das relações sociais e a partir da qual se fundamenta uma convivência pacífica.
Jacir J. Venturi, diretor de Escola, Professor, palestrante e autor de livros, é presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Paraná (Sinepe/PR).

Superprodução de Spielberg, Lincoln mostra luta de presidente pelo fim da escravidão

Filme com mais indicações ao Oscar 2013 – 12 –, o novo e épico longa-metragem dirigido por Steven Spielberg, Lincoln, a megaprodução que chega aos cinemas brasileiros amanhã (25). Trata-se do retrato de um momento específico da vida política de um dos mais controversos e admirados presidentes dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, e sua ativa participação na luta pelo fim da escravidão no país. Porém, os maiores destaques da produção estão mesmo na primorosa atuação de Daniel Day-Lewis e Tommy Lee Jones, e na precisa restituição de época.
Abraham Lincoln nasceu em Hodgenville, em 12 de fevereiro de 1809 e foi o 16º presidente dos Estados Unidos, assumindo o posto em março de 1861 e ficando no poder até abril de 1865, quando é assassinado. Entre seus principais méritos, estão ter administrado a crise interna provocada pela guerra civil e conseguido abolir a escravidão, mesmo que para isso tenha utilizado de meios controversos e corruptos. Parecia valer ali a máxima de que os fins justificavam os meios.
É justamente o que retrata a cinebiografia baseada no livro Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln, dando maior atenção para a votação em janeiro de 1865, na Câmara dos Deputados, de uma emenda à Constituição dos Estados Unidos, e os fatos que antecederam a ela. Há de se destacar aqui a esplêndida reprodução do congresso. Era necessário convencer alguns republicanos radicais, principalmente dos estados de fronteira, a mudarem de opinião a respeito da necessidade de abolir a escravidão, mesmo que lhes fossem prestados alguns “favores” regionais.
Em meio a tantas guerras políticas e pressões que acabam resultando em seu assassinato, Lincoln conta com o apoio da família, principalmente da Primeira-Dama Mary Todd Lincoln (a ótima Sally Field) e do Congressista Thaddeus Stevens (o igualmente ótimo Tommy Lee Jones). Ao mesmo tempo, há cenas cativantes da relação afetuosa do presidente dos Estados Unidos com seu filho mais velho, Robert Todd Lincoln, interpretado por Joseph Gordon-Levitt, que deseja se alistar na guerra.
É a dualidade da personalidade desse líder político, em um momento-chave da história dos Estados Unidos e a precisa reconstituição de época, que dá força à interpretação primorosa de Daniel Day-Lewis, muito mais do que o fato de ele ter ficado muito parecido ou não com o presidente. Esse também é o grande mérito das atuações de Sally Field e Tommy Lee Jones, merecidamente indicados, respectivamente, ao Oscar de melhor atriz coadjuvante e melhor ator coadjuvante. As outras indicações são de melhor filme, direção (Steven Spielberg), roteiro adaptado, fotografia, figurino, trilha sonora original, mixagem de som, design de produção e edição. Isso não impede, no entanto, que o filme se torne arrastado em muitos momentos.

Racismo não se supera apenas com a educação


04/12/2012 | Publicado por dennisoliveira em Sem categoria

O texto abaixo é produto da minha exposição no Seminário “Negro Plural”, organizado pelo Instituto Luiz Gama e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 29 de novembro, no SESC/Vila Mariana. O tema da mesa era racismo e educação com foco na lei 10.639 e as cotas raciais nas universidades.
Há uma tendência forte no movimento anti-racista de considerar que a superação do racismo se dá pela educação. Não é a toa que duas bandeiras fortes do movimento atual referem-se à educação: a Lei 10.639 que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação ao instituir a temática da história da África e da cultura afrobrasileira nos conteúdos curriculares do ensino básico e a implementação das cotas raciais nos processos seletivos das universidades públicas.
Eu procuro entender o problema do racismo pelo viés do marxismo. Uma das ideias mais interessantes do pensamento marxista é que os homens estabelecem relações concretas uns com os outros com base na produção material. O racismo no Brasil origina-se do fato do capitalismo por aqui ter se construído com base na acumulação primitiva de riquezas obtida pelo modo de produção chamado pelo pensador Jacob Gorender, de escravismo colonial. O “escravismo colonial” foi muito bem conceituado por Gorender – ele sustentou o mercantilismo na Europa durante muito tempo, possibilitou em certo momento, recursos para inversão em modos de produção mais avançados e, após a proibição do tráfico de escravos em 1850 (lei Eusébio de Queiroz), os recursos que eram destinados ao tráfico foram direcionados para investimentos em sistemas produtivos, possibilitando aí, a transição negociada do escravismo colonial para o capitalismo.
Reforço esta ideia da “transição” – não houve ruptura com a ordem anterior e sim uma transição. A classe dominante brasileira é descendente dos escravocratas. Por isto, elementos construídos nas relações sociais do escravismo se transfiguram para o capitalismo. A “tolerância opressiva” de que fala Darcy Ribeiro – tolerar o outro para poder oprimi-lo – serviu como mecanismo legitimador da escravização e, atualmente, para a superexploração da mão de obra assalariada. Negros são tolerados desde que em seu “devido lugar”.
Por isto, o racismo no Brasil se manifesta em construção de lugares permitidos para brancos e negros. A escola, como instituição social, se manifesta como um espaço em que estas ideias se reproduzem. O sociólogo Pierre Bourdieu elaborou o conceito de “capital cultural” para definir as competências e habilidades exigidas e universalizadas pela instituição escola como mecanismos de violência simbólica, a medida que exige um “enquadramento” daqueles que desejam ser bem sucedidos neste espaço.
É com base nestas referências que entendo que a luta pela lei 10639 e pelas cotas são instrumentos que explicitam conflitos dentro da instituição educacional. A resistência à implementação ou mesmo a distorção dos mesmos se dá não por uma “deformação” ou “incompreensão” dos agentes envolvidos na instituição, mas sim porque uma concepção mais radical dos significados destas normas implica em questionar os sistemas de “violência simbólica” inseridos na instituição escolar.
É importante lembrar que a lei 10639 altera a LDB, portanto os conteúdos ali previstos não são “periféricos” mas tem o mesmo status de qualquer outro conteúdo obrigatório do currículo, como Português ou Matemática. E também que ele é obrigatório para todas as escolas do ensino básico, mesmo aquelas em que não há negros ou que atenda uma elite branca. Qual a importância desta reflexão? É que ela aponta que os conteúdos de História da África e cultura afrobrasileira passam a integrar o conjunto de competências e habilidades exigidas na instituição escolar, reposicionando a figura do africano e do afrodescendente da periferia para o centro simbólico.
No caso das cotas nas universidades, a presença de mais e mais negros e negras nas universidades conflita com as imagens estabelecidas de que os lugares negros são os subalternos – as periferias, os trabalhos precarizados, a exclusão. Transformando um espaço “monocromático” em “multicolorido”, conflita com as imagens simbólicas de lugares consolidados de negros e brancos.
Ora, a medida que se reposiciona estes lugares simbólicos de negros, há um deslocamento também da posição do que é ser branco. O ser branco se consolida como o lugar da “universalização” da condição humana (por isto, muitos brancos não se assumem como “grupo étnico” e se definem como “humanos”, “mestiços”, “misturados” e outras definições que apagam a ideia de ocuparem um lugar hegemônico construído pela subalternização de outro). A condição social do ser branco se configura a partir de “privilégios adquiridos racialmente” – como, por exemplo, contar sempre com a possibilidade de existir uma mulher negra pobre para ser explorada como trabalhadora doméstica ou ainda ser escolhido em uma seleção visual de trabalho em que concorre com uma pessoa negra – que se transfigura em um leque maior de oportunidades. A medida que a luta contra o racismo avança em todos os sentidos, estes privilégios vão sendo questionados e, por isto, a gritaria começa desmontando todo o discurso do mito da democracia racial brasileira.
Diante disto, o racismo não se resolve meramente com a educação, até porque a escola, como instituição social o reproduz. A luta pelas cotas e pela lei 10639 tem uma função importante de abrir frentes de embate dentro da instituição escolar, porém sem criar a ilusão de que a mera implantação resolverá o problema das relações étnicas no Brasil.
A escola é um espaço de conflitos – demonstrado, nitidamente, quando se ouve um professor da USP afirmar, em uma reunião, que “a implantação das cotas poderia aumentar a violência no campus.” A luta contra o racismo é uma ação, portanto, de natureza política e não um processo educacional.

O racismo nosso de cada dia escancarado no meu cabelo, por Bianca Santana


25/01/2013 | Publicado por Renato Rovai em Geral

Solto e acho bonito. Volto ao espelho e coloco uma faixa. Um pouco mais de tempo e recorro aos grampinhos. “Esse jeito de prender tem uma coisa de negritude, mas é mais preso”, falei na terapia. Na mesma semana, a Maternidade Santa Joana publica um texto RACISTA sob o título “Minha filha tem o cabelo muito crespo. A partir de qual idade posso alisá-lo?” Ah, as sincronicidades da vida… E como a cereja do bolo, nasci no Santa Joana.
Passei anos ouvindo propostas de cabeleireiros para “arrumar” meu cabelo. Arrumar significa alisar ou, no mínimo, “relaxar as ondas”. Minha avó, vítima e algoz do mesmo racismo, prendia o cabelo beeeem puxado pra trás, “pra não parecer essas neguinhas”. Na ingenuidade de criança me perguntava se eu não era mesmo “essas neguinhas”. Obediente, não ousava questionar em voz alta.
E de puxar e puxar o cabelo num rabo de cavalo, nunca tive coragem de soltar o crespo em público. Quando me descobri negra, nasceu o desejo de assumir meu cabelo como uma marca de identidade. Encontrei o Marco Antônio, cabeleireiro incrível, que cortou um black. Detestei! Então ele me ensinou a fazer uns rolinhos, prendendo o cabelo com grampos como se fosse uma tiara, até eu me acostumar com o volume. Nove anos depois ainda não me acostumei. Continuo fazendo os rolinhos diariamente. Diariamente não! Nesses anos, soltei umas três ou quatro vezes.
Com o black liberado, sinto um calor insuportável, não me reconheço com o volume ao redor do rosto e fico desesperada pra prender o cabelo. Desesperada mesmo, não é força de expressão! Começo a suar, sentir taquicardia e uma vontade incontrolável de prender o cabelo. Aí prendo; sinto os músculos relaxarem e um conforto no peito.
Grávida pela terceira vez, imaginava um menina pretinha, com o cabelo bem crespinho pra eu soltar e enfeitar com flores coloridas. Mas a vida me presenteou com uma menina bem branquinha, de olho azul e uma careca de pelugem fininha… Os filhos não nascem mesmo pra dar conta dos desafios dos pais… Minha questão com o meu cabelo é obviamente minha. Mas também é de todos nós, brasileir@s, que assumimos o liso e o loiro como padrão de beleza.
Em 2011, esperava um vôo em Paris quando puxei papo com uma portuguesa. Ela ficou muito surpresa porque eu falava a língua dela. “É a minha língua também, sou brasileira”, anunciei. “Mas como? Com esses cabelos crespos? Toda brasileira tem cabelo liso!” Reparei no mar de mulheres que esperava os vôos pra São Paulo e pro Rio. A portuguesa tinha razão.
publicado originalmente aqui

Criança de 7 anos teria sofrido racismo em concessionária BMW


Por: Redação Correio Nagô*
24/01/2013
O casal Ronal Munk e Priscilla Celeste ficou indignado após terem ido à concessionária BMW Autokraft, no bairro da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Com uma família formada por cinco filhos, o casal foi até o local, acompanhados do caçula de 7 anos que é negro e adotado.

De acordo com reportagem publicada pelo G1 Rio de Janeiro, no momento em que os pais conversavam sobre um automóvel novo para a família com um gerente a criança teria sido discriminada. Ao se aproximar dos três, o gerente teria dito: "Você não pode ficar aqui dentro. Aqui não é lugar para você. Saia da loja. Eles pedem dinheiro e incomodam os clientes", contou ao G1 a professora Priscilla, lembrando que o gerente não havia se dado conta de que o menino era filho do casal.

O BMW Group enviou uma nota ao G1 em que pede desculpas ao casal. “Imediatamente peguei meu filho pela mão e saí da loja. Somos clientes da concessionária há anos. Inclusive temos um vendedor que sempre nos atende. Esperamos dias por uma retratação, não tomamos nenhuma atitude imediata e não acionamos a polícia para preservar nosso filho”, acrescentou ao portal.

O pai da criança, que é consultor, contou que não foi a primeira vez que isso aconteceu com o filho. “Cheguei a perguntar o motivo daquela reação. Quando eu afirmei que aquela criança negra era o nosso filho, ele ficou completamente sem ação, gaguejou e pediu desculpas. Sem entender nada, nosso filho chegou a questionar por que não aceitavam crianças naquela loja já que havia uma televisão passando desenhos animados”, disse o consultor.

Ainda segundo a reportagem, na nota da assessoria de imprensa, encaminhada nesta quarta-feira (23) ao G1, o BMW Group informou que tomou conhecimento do fato em e-mail enviado por Ronald e Priscilla, em janeiro deste ano. Veja a íntegra da nota abaixo:

Nota da empresa

"O BMW Group gostaria de esclarecer que tomou conhecimento dos fatos relatados na matéria abaixo, através do e-mail enviado em 16/01/2013 pelos Senhores Ronald e Priscilla Munk e prontamente solicitou esclarecimentos à concessionária Autokraft através de uma notificação entregue na mesma data.

O BMW Group informa ainda que nenhum funcionário seu esteve presente na data do acontecimento narrado, não podendo dessa forma atestar a veracidade dos fatos relatados por parte dos clientes, tão pouco da concessionária.

Confirmamos que o BMW Group, apesar de não ter conhecimento dos fatos, em respeito aos seus clientes, enviou mensagem aos mesmos, desculpando-se pelo ocorrido e explicando a sua relação jurídica e comercial com a concessionária, a qual é regida pela lei nº 6729/79, que proíbe o BMW Group de adotar qualquer postura que influencie a gestão administrativa da concessionária e desautoriza a empresa a intervir ou influenciar nas atividades diárias de seus concessionários."

Os pais mandaram um email para a empresa. A reposta veio rapidamente através do gerente regional de vendas. No e-mail, a empresa diz lamentar o fato ocorrido, pede desculpas pela situação e enfatiza que o compromisso da BMW é prestar um atendimento com excelência.

O casal, que não disse se vai entrar na Justiça, agradeceu a resposta, sobretudo por reconhecer que o fato realmente ocorreu nas dependências da loja, mas não achou que somente isso era suficiente. Os pais exigiram então uma reposta sobre quais medidas seriam tomadas em relação ao funcionário e como a empresa agiria para que esse fato não acontecesse nunca mais.

Uma semana após o ocorrido dentro da loja, um novo e-mail com o assunto “desculpas” foi enviado ao casal, desta vez por um representante da Autokraft. Nele, a empresa se diz ciente do ocorrido e afirma que o gerente da loja “entendeu que o casal não estava acompanhado por qualquer pessoa, incluindo a criança. E já que ela estava absolutamente desacompanhada na loja, o funcionário teria alertado o garoto que ele não poderia ali permanecer e que tudo não passou de um mal-entendido”. O correio é finalizado com a seguinte mensagem: “Tenho imenso prazer em tê-lo sempre como cliente amigo”.

O termo "mal-entendido" provocou especial indignação em Priscilla e Ronald, que criaram, no último domingo (20), a página no Facebook “Preconceito racial não é mal-entendido”. A intenção, segundo eles, é reunir histórias de preconceito e alertar as pessoas para que não aceitem desculpas e explicações descabidas. A página tem mais de 30 mil seguidores.

Fonte: CORREIO NAGO*

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Orientação racista na PM-SP provoca indignação de grupo de Direitos Humanos



Reprodução do documento publicado nesta quarta-feira 23 pelo jornal Diário de São Paulo
Reprodução do documento publicado nesta quarta-feira 23 pelo jornal Diário de São Paulo
Um documento com teor racista, assinado pelo capitão da Polícia Militar de São Paulo Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, veio à tona nesta quarta-feira 23 e gerou revolta de organizações de Direitos Humanos e de igualdade racial. O documento, divulgado pelo jornal Diário de São Paulo, orienta policias que trabalham no bairro Taquaral, região nobre de Campinas, a abordarem com rigor pessoas “em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra”. Segundo o jornal, a determinação é adotada por policiais desde o dia 21 de dezembro do ano passado e é direcionada principalmente para jovens entre 18 e 25 anos, que estejam em grupos de três a cinco pessoas e tenham a pele escura.
Em carta, o diretor presidente da Educafro, frei David, pediu esclarecimentos sobre o caso para o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e ao secretário de Segurança Pública, Fernando Grella. “Nos assusta saber que ainda ocorrem casos de racismo dentro da polícia”, disse o frei David a CartaCapital.
Às 11 horas desta quarta-feira 23, o secretário-adjunto de Segurança Pública, Antonio Carlos Ponte, se reuniu com frei David para assegurar a apuração da denúncia e a convocação do Comando-Geral da PM para explicar se a orientação também é dada a outros comandos e batalhões.
Motivada pelo caso, a Educafro solicitou, durante a reunião, a divulgação dos dados étnicos das vítimas de abordagens policiais registradas como “resistência seguida de morte”. O pedido foi baseado na Lei da Transparência. O secretário-adjunto se comprometeu, segundo o diretor da Educafro, a apresentar os dados até o dia 15 de fevereiro.
Em relação a Campinas, a carta requisita os dados estatísticos sobre as abordagens com e sem mortes realizadas pelo Batalhão de Campinas, com o intuito de verificar se há, de fato, uma tradição racista dentro da unidade.
Resposta da Polícia Militar
O Comando da PM nega teor racista do documento e explica que a ordem do oficial foi motivada por uma carta de dois moradores do bairro, na qual eles descreviam os criminosos “com a cor da pele negra”.
Procurada pela reportagem, a assessoria da Polícia Militar disse que o documento apenas reproduziu as características presentes na carta dos moradores. “Houve uma falta de atenção na escrita do documento, mas isso não é um caso de preconceito”, explica o capitão Araújo, da assessoria de imprensa da PM. “O próprio capitão Beneducci é pardo e quis, no documento, apenas expor as características físicas dos suspeitos”, completa.
Leia a íntegra da carta, redigida por frei David, abaixo:
Para: Governador Dr. Geraldo Alckmin
Cc para: SSP Dr. Fernando Grella

Acreditamos que neste novo Brasil que estamos construindo, que deseja ser modelo civilizatório para o mundo, especialmente a partir da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, nenhum governante opta por ser racista ou desumano haja vista a responsabilidade da garantia assegurada pelos Direitos Humanos, tão atual no reconhecimento dos crimes praticados quando da Ditadura no Brasil. A própria ONU mostra-se preocupada com a violência de vários países entre eles, o Brasil e decretou a década do Afrodescendente que vai de 2013 a 2023. No entanto, em vários setores da sociedade, especialmente órgãos públicos, vários fatos concretos deixam-nos preocupados, como por ex: cobramos do governo do Estado, na ocasião das primeiras ocorrências e até hoje o governo estadual não revelou quanto por cento das mortes pelos ataques do (PCC e da Polícia) foram de indivíduos negros.
Apesar dos protestos de boa parte da sociedade, poucas providências foram e são aplicadas para reeducar os funcionários públicos da segurança e de outros setores, autores isolados de atos discriminatórios ou vítimas do “Consciente Coletivo” que perpassa ao longo da história grande parte da corporação policial e da sociedade. O “embranquecimento” ocorre para nossa tristeza e decepção na formação de nossos policiais que inconscientemente passam a não se verem como negros e aplicam na abordagem as ordens lhes passadas ao abordarem o negro como ele. Esta falta de formação gera e faz perpetuar a “abordagem RACISTA de pressupor que o negro até que se prove em contrário é considerado um bandido, marginal!”
O novo fato, muito preocupante, refere-se à Ordem de Serviço nº 8 – BPMI – 822/20/12 da região de Campinas emitida pelo Capitão Ubiratan Beneducci, que segue anexo.
A ordem leva-nos a entender que se os policiais cruzarem de carro ou a pé, com um grupo de 3 a 5 brancos entre 18 e 25 anos, não desconfiem deles. Se forem pardos ou negros, abordem-nos imediatamente! Queremos que a Polícia se liberte da imagem do cidadão/ã Negro/a como sendo bandido/a. Quase 100% dos políticos processados e daqueles que aplicam Grandes Golpes financeiros contra a nação são indivíduos brancos. Para estes sim, a polícia deveria emitir alertas urgentes! Para nossa tristeza, neste caso são considerados inocentes até que se prove o contrário. A inversão de valores está no conceito de que são “autoridades” e não moram na periferia ou favelas.
Compreendemos que esta orientação e determinação não é governamental, mas este mesmo governo ao qual apelamos através deste ofício, pode combater com determinação e direito esta medida aplicada por este servidor policial, mal formado e não preparado para suas funções de comando.
Ao final, baseado na lei de transparência nº 12.527 de 18/11/2011, solicitamos ao governador Alckmin:
1) Que nos apresente os dados étnicos das vítimas de abordagens policiais, registradas como “resistência seguida de morte”, e quantos por cento são cidadãos/ãs brancos/as, indiodescendentes, negros/as ou orientais.
2) Apresente-nos o perfil étnico das vítimas dos ataques do PCC e da Polícia do ano de 2006 quando dos primeiros ataques.
3) Apresente-nos os dados estatísticos daquele batalhão de Campinas sobre abordagens (sem e com mortes), bem como, a percentagem de moradores negros e brancos da área desse batalhão.
4) Apresente-nos os dados estatísticos dos assassinatos de negros e brancos, no estado de São Paulo nos últimos 12 meses (janeiro de 2011 a janeiro de 2012), com perfil étnico, idade e classe econômica.
Sem mais, confiando em um retorno de nossas solicitações o mais breve possível,
Com a saudação franciscana de Paz e Bem!
Frei David Santos

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cotas - Afinal, entenda o que é


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Escrito por Aline Nascimento Bernardes   


Para quem ainda não sabe, Cotas (chamada também de ações afirmativas) nada mais é que reservar vagas para alunos. Como assim? O projeto de lei quer destinar 50% das vagas nas universidades públicas (gratuitas) para alunos que só estudaram em escolas públicas. Dentro dessa cota, será destinado um percentual para os afrodescendentes (negros e pardos) e um outro percentual para os índios, as chamadas Cotas Raciais.

De um modo geral, as cotas tem como objetivo principal incluir os alunos da rede pública no ensino superior. Como há uma grande diferença na qualidade de ensino, nada mais justo que fazer um exame com igualdade, onde os alunos de escola particular concorram com igualdade com os alunos de escola particular, e os alunos de escolas públicas disputem suas vagas com outros alunos de escolas públicas. Essa é a chance dos alunos da rede pública terem oportunidade  de cursar o ensino superior.

Muitas pessoas concentram seus pensamentos apenas nas Cotas Raciais, analisando que o negro não deve ter privilégios, e que devem concorrer juntos com os alunos de escola pública. Mas, se parássemos para analisar, dentro da rede pública, há também desigualdades, a tendência é de que o período matutino seja mais produtivo para os alunos do que o período da noite, pois, normalmente quem cursa a noite, trabalha e estuda sem a mesma motivação e produtividade. Analisando ainda os alunos da manhã, quantos negros estudam nesse período no ensino médio? Uma minoria. Sem contar a grande quantidade de evasão dos negros na escola, a cada ano letivo, diminui a presença do negro na escola.

Um dado divulgado pela revista “Competência Universitária” na edição de junho de 2004, mostra que na USP (Universidade de São Paulo), uma universidade pública, os negros representam apenas 1,3% do total de alunos. Sendo assim, conclui-se que se não houver uma medida direta, voltada para os negros, a situação continuará a mesma. O negro continuará fora das universidades, e sem condições de mudar a sua situação econômica, que vem desde o período da escravidão, onde o negro ainda vive nas favelas, nos subempregos e na miséria.

Mas, só as ações afirmativas não resolvem o problema, como a questão racial está diretamente ligada à renda, a intenção do governo é também criar bolsas de estudo para dar sustentabilidade aos estudantes. Uma medida muito importante para evitar a evasão dos alunos carentes, sendo negros ou não. Portanto, as cotas ou ações afirmativas são uma tentativa de incluir os alunos carentes vindo das escolas públicas, nas universidades públicas que são gratuitas. Ou seja, aqueles que realmente não tem condição de pagar o ensino superior terão a chance de fazê-lo.
 

Sistema de Cotas

O que são?
 Também chamada de ação afirmativa, é uma forma de reservar vagas para determinados grupos. O sistema de cotas foi criado para dar acesso a negros, índios, deficientes, estudantes de escola pública em universidades, concursos e mercado de trabalho. A política de cotas nas universidades é o melhor exemplo desse sistema no Brasil. As medidas de cotas raciais e sociais implantadas pelo governo ajudam no acesso de certos grupos na concorrência com o resto da população. É um caminho visto por alguns como a redução da exclusão e visto por outros como uma segunda forma que discriminação.

Prouni

    estudos.jpgÉ um sistema de cotas sociais, intitulado de Prouni - Programa Universidade para Todos, que concede bolsa de estudo de forma integral e parcial em instituições privadas de ensino superior. Criado pelo Governo Federal e voltado para alunos de baixa renda, oferece, por meio da Lei N°11.096/2005, além das bolsas, isenção para as faculdades que aderiram ao programa. Oferece bolsas integrais e parciais para estudantes com renda familiar de até três salários mínimos por pessoa.

    O foco está nos alunos egressos de escolas públicas ou bolsistas da rede particular. Os candidatos são avaliados pela sua condição social e pelas notas obtidas no ENEM-Exame Nacional de Ensino Médio. O Prouni t;m convênio com instituições como a FUNAI(Fundação Nacional do Índio) e reserva vagas para quilombolas, negros e indígenas; porém, eles devem seguir os mesmos critérios dos demais candidatos.

    Na inscrição o candidato escolhe 2 opções de cursos e a opção é feita com base na sua classificação no Prouni. No momento da inscrição, a lista de Faculdades conveniadas aparece para que o estudante tenha acesso. O bolsista do programa deve ter um aproveitamento superior a 75% e não pode trancar ou transferir sua matrícula. Além disso, os alunos com carga horária superior a 6 horas diárias e que tenham bolsa integral podem receber a bolsa permanência, valida por um semestre e auxilia o aluno com uma quantia em dinheiro. As instituições que aderem ao programa ganham isenção de tributos.

UnB destinará 12,5% das vagas para alunos de escolas públicas em 2013


Decisão do Cepe não afeta sistema de cotas para negros, que destina 20% da oferta do vestibular para esse segmento da população. Decreto que regula a lei foi publicado nesta segunda-feira
Dayene Peixoto - Da Secretaria de Comunicação da UnB


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O edital do Vestibular 2013 da Universidade de Brasília terá reserva de 12,5% das vagas para alunos de escolas públicas. Além disso, 20% das vagas continuarão reservadas para candidatos negros. Dessa forma, 32,5% das 2.092 vagas oferecidas serão destinados a algum tipo de cota. O Programa de Avaliação Seriada (PAS) também será modificado para destinar 12,5% das vagas para alunos de escolas públicas. No PAS não há cotas específicas para negros. Nesta segunda-feira, 15, o Diário Oficial da União publicou o decreto 7.824, assinado pela presidenta Dilma Rousseff na última quinta-feira à noite. O decreto regula a Lei de Cotas que destina 50% das vagas das universidades federais para estudantes que cursaram os três anos do ensino médio em escola pública. (veja aqui a íntegra do decreto)

Pela lei, as universidades devem se adaptar à lei até 2016, iniciando o processo imediatamente com pelos menos 12,5% das vagas. Na quinta-feira, o decano de Graduação, José Américo Garcia, explicou que, das vagas da Lei de Cotas, metade será destinada a estudantes de baixa renda e a outra metade aos outros alunos de escolas públicas. "O aluno terá de fazer a opção por qual sistema ele prefere concorrer", afirmou. "É preciso deixar claro que a lei não afeta o sistema de cotas para negros instituído pela UnB em 2004."
Instituídas em 2004, as cotas para negros (20% do total) deverão ser reavaliadas em 2014, de acordo com decisão do Conselho Universitário à época. As 20 vagas destinadas ao vestibular aos indígenas, de caráter extra, também não passarão por mudanças até 2014 em decorrência do contrato da Universidade com a Fundação Nacional do Índio (Funai).

CEPE -
A aplicação do percentual mínimo previsto pela Lei de Cotas foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da UnB na última quinta-feira, 11. A discussão do tema foi permeada por dúvidas sobre a Lei, sobre a assistência aos novos estudantes e sobre sua influência em relação a outros programas de reserva de vagas. “Temos de ter em mente a importância de políticas de assistência elaboradas pela Universidade para garantir que os alunos cotistas tenham possibilidade de tirar o máximo de proveito do ensino”, afirmou o estudante Nicolas Powidayko Vanzela, do Diretório Central dos Estudantes (DCE).
A vice-diretora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV), Simone Perecmanis, propôs a criação de uma comissão permanente na Universidade, a cargo do Decanato de Ensino de Graduação (DEG), com o fim de assegurar a permanência dos novos alunos cotistas na instituição. “O problema da evasão dos cotistas não está relacionado ao acompanhamento do ritmo do ensino, mas sim ao fato de eles não estarem seguros do que querem quando ingressam na vida acadêmica. Este é um fato que deve ser trabalhado ainda no ensino médio, de forma que esses alunos entrem na universidade com um amadurecimento maior em relação ao futuro profissional”, acredita.

O decano de Pesquisa e Pós-Graduação, Isaac Roitman, resumiu os pontos que devem ser pensados e considerados pela política da Universidade. “Com a aplicação da lei, ganham destaque novamente as questões da qualidade do ensino médio público, a maturidade na escolha de cursos dos alunos que vão ingressar nas universidades e a permanência destes alunos cotistas durante a formação”, apontou. “A reserva garantida pela lei é feita por cursos. O anseio do Departamento de Música é que, com a segregação, não apareçam alunos qualificados na prova de habilidade específica, em número suficiente para cada tipo de cota, para o preenchimento do número de vagas no nosso curso”, pontuou a Conselheira Maria Cristina de Carvalho Azevedo, do Departamento de Música.

A antropóloga Natália Maria Machado, ex-cotista da UnB, acredita que as cotas sociais não devem concorrer com outras ações afirmativas. Para ela, as ações não se sobrepõem, mas sim se complementam. “O fato é que devemos cumprir a lei de cotas imediatamente e, apesar das controvérsias dentro da própria UnB, as preocupações do governo federal coincidem com as da instituição, o que gera confiança no cumprimento prático da norma”, afirmou o decano José Américo. 

O ensino religioso nas escolas públicas


Encontra-se em tramitação no STF uma ação direta de inconstitucionalidade que irá  decidir sobre o ensino religioso nas escolas brasileiras. A Igreja Católica luta para manter seu espaço de catequese na rede pública de ensino, mas somente um ensino religioso não confessional é compatível com o Estado laico brasileiro
Por Túlio Vianna
Em um Estado laico que se preze, o ensino religioso é matéria da esfera privada de cada família, que tem plena liberdade para matricular seus filhos nos cursos religiosos das igrejas que frequentam. Lamentavelmente, porém, a Constituição brasileira, em seu artigo 210, §1º, cedeu ao lobby dos teocratas e determinou que: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
Esse artigo aparentemente se encontra em contradição com o artigo 19, I, da mesma Constituição, que consagra o nosso Estado laico ao estabelecer que: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou com seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
A Constituição, porém, é um todo orgânico, e seus artigos devem ser interpretados de forma tal que um não contradiga o outro. Cabe ao intérprete tornar coerente o conjunto de artigos constitucionais que representaram, quando de sua elaboração, o conflito de interesses diversos. E o intérprete definitivo da Constituição brasileira é o Supremo Tribunal Federal, que tem, como os próprios ministros gostam de repetir, a prerrogativa de errar por último.
Para que o STF dê sua interpretação definitiva sobre os limites do ensino religioso nas escolas públicas é que se encontra em tramitação a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº4.439, que pugna para que este ensino seja não confessional, isto é, desvinculado de qualquer igreja ou crença religiosa. O gatilho dessa ADI foi o “Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil”, assinado pelo então presidente Lula, que prevê, em seu artigo 11, §1º, que: “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas [...]”, em clara opção pelo ensino religioso confessional, com ênfase no catolicismo, em detrimento das outras religiões.
Não se trata, portanto, de uma discussão sobre se deve ou não haver ensino religioso nas escolas públicas brasileiras, pois a Constituição estabelece expressamente que ele existe. A questão é saber se o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras deve ou não ser confessional. As consequências práticas mais relevantes decorrentes dessa definição são a seleção do conteúdo programático a ser ministrado em sala de aula e os critérios de seleção dos professores que lecionarão a disciplina.
Nossa atual Lei de Diretrizes Básicas da Educação (Lei 9.394/96) estabelece em seu art.33, §1º, que “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores”, deixando a cargo de cada estado e município a escolha entre um ensino religioso confessional ou não confessional. Resta saber se a opção por um ensino religioso confessional é uma escolha compatível com a laicidade constitucional e, portanto, possível de ser feita pelos estados e municípios.
Pode um Estado laico ceder espaço em suas escolas públicas para que uma crença religiosa ensine às crianças uma doutrina específica, com professores indicados por uma igreja específica? A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) acha que sim, partindo do pressuposto de que esta crença a ser ensinada será evidentemente o catolicismo ou, ao menos, o cristianismo. Mas se um município brasileiro decidisse que em suas escolas públicas o ensino religioso confessional iria ter como base curricular o candomblé, a CNBB continuaria defendendo o ensino confessional?
A defesa do ensino religioso confessional pressupõe a certeza – ou ao menos a esperança – de que a crença religiosa a ser ensinada será a sua. E não há nada de democrático em querer impor o ensino de uma crença religiosa a quem não professa aquela religião. Escola pública não pode se tornar espaço para ensino de catecismos, pois o Estado laico pressupõe a liberdade de crença para todos – sejam adultos ou crianças –, conforme está expressamente garantido no art. 5º, VI, da Constituição brasileira.
Afirmar que a liberdade de crença estaria garantida, pois o ensino religioso é facultativo e a criança é livre para se ausentar da aula, é uma balela. As crianças têm uma imensa necessidade de aceitação social e, muitas vezes, praticam atos que lhe desagradam tão somente para se sentirem pertencentes a um grupo. As aulas que são “facultativas” na lei acabam, na prática, se tornando obrigatórias, sob pena de a criança ser obrigada a enfrentar o estigma que surgirá não só entre os colegas, mas entre os próprios professores.
O único ensino religioso possível de ser praticado em um Estado laico é o não confessional, em que os professores são contratados por meio de concursos públicos, sem que seja levada em conta suas próprias religiões. Se a Constituição veda expressamente em seu artigo 19, inciso I, que o Estado mantenha qualquer tipo de aliança com igrejas e cultos religiosos, é inadmissível que os professores de uma escola pública possam ser indicados por qualquer confissão religiosa.
Por outro lado, o programa da disciplina de ensino religioso deve abordar não só as religiões majoritárias como o catolicismo e o protestantismo, mas também o espiritismo, a umbanda, o candomblé e todas as outras religiões praticadas no Brasil, bem como o ateísmo e o agnosticismo. Aos professores da disciplina deve ser vedado todo e qualquer tipo de proselitismo, cabendo a eles tão somente expor a história e os dogmas dessas religiões sem qualquer juízo de valor de qual seria a melhor ou a pior.
O ensino religioso nas escolas públicas não deve se converter em um instrumento de proselitismo do cristianismo. A sala de aula não é espaço para orações nem para catecismos. Se a Constituição criou um Estado laico, mas ao mesmo tempo estabeleceu o ensino religioso nas escolas públicas, foi para permitir às crianças tomar conhecimento de que existem religiões e crenças distintas daquelas praticadas por seus familiares e aprender a respeitá-las.
Paradoxalmente, a Corte Constitucional brasileira decidirá a questão em um salão decorado com um crucifixo. Não há registros de tribunal no mundo que tenha julgado a indústria tabagista com propaganda de Marlboro afixada na parede ou decidido sobre casos de derramamento de petróleo, com merchandising da Esso sendo exibido durante a sessão. Mas o julgamento mais importante da laicidade do Estado brasileiro será realizado sob a égide de um crucifixo.
Resta-nos esperar que nossa Corte Constitucional mantenha sua imparcialidade e estabeleça que o ensino religioso nas escolas brasileiras só pode ser de natureza não confessional. Do contrário, estaremos sujeitando nossas crianças a lavagens cerebrais diárias nas escolas, para que elas acreditem no deus de seus professores, o que, por óbvio, seria totalmente incompatível com a natureza laica da República brasileira.
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População escrava do Brasil é detalhada em Censo de 1872


O recenseamento é considerado bastante completo por trazer o único registro oficial da população escrava nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e fazer, ainda, um inventário inédito das etnias indígenas
Por Daiane Souza, da Fundação Palmares
Escravos correspondiam a 15,24% da população brasileira em 1872 (Foto: F.Palmares)
Marcado por um cenário de conflitos e protestos pelo fim da escravidão, o século XIX no Brasil foi o único do período colonial a ter um censo completo da população de escravizados. Os dados deste censo foram disponibilizados pelo Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica da Universidade Federal de Minas Gerais (NPHED/UFMG) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado (Fapemig).
O Censo, feito em 1872, foi realizado com sucesso como parte das políticas inovadoras de D. Pedro II. O resultado foi o registro de 10 milhões de habitantes, onde a população escrava correspondia a 15,24% desse total. Os 10 milhões de pessoas estavam distribuídos em 21 províncias, sendo cada uma subdividida em municípios que, por sua vez, eram divididos em paróquias. Ao todo, eram 1.440 paróquias, as unidades mínimas de informação, que serviram de base para o mapa disponibilizado.
O recenseamento é considerado bastante completo por trazer o único registro oficial da população escrava nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e fazer, ainda, um inventário inédito das etnias indígenas. De acordo com o levantamento, 58% dos residentes no país se declaravam pardos ou pretos, contra 38% que se diziam brancos. Os estrangeiros somavam 3,8%, entre portugueses, alemães, africanos livres e franceses. Os indígenas perfaziam 4% do total dos habitantes.
Além da contagem da população, os documentos apresentam informações específicas sobre pessoas com deficiência, acesso à educação e profissões exercidas, entre outras. Por exemplo, a profissão de lavrador era a que tinha o maior número de trabalhadores na época, seguida por serviços domésticos. Entre as profissões liberais, a de artista tinha maior representatividade, inclusive entre a população escrava.
Censo de 1872 – De acordo com o demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de Pesquisa Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, um dos responsáveis pela digitalização do Censo, àquela época o país já pensava estratégias para acabar com a escravidão e passava por um processo racista de branqueamento da população. “O foco das políticas públicas era todo nesse sentido. Era necessário mapear quem estava vindo da Europa”, disse.
O coordenador conta que a realização de um ambicioso levantamento populacional num país de dimensões continentais e dificuldades de transporte foi uma grande empreitada daquele século. “Questionários foram enviados para 1.440 paróquias de todo o país. Em cada uma delas foi criada uma comissão censitária, responsável por levar uma cópia do questionário a cada casa”, explicou Rodart.
As informações diziam respeito a sexo, raça, estado civil, religião, alfabetização, condição (escravo ou livre), nacionalidade e profissão. O questionário era preenchido por cada chefe de família e devolvido à comissão competente. Quem não o respondesse era penalizado com multa. Os resultados eram encaminhados para a capital onde eram contabilizados manualmente para compor o censo nacional.
São essas as informações hoje disponíveis por meio da internet. A digitalização e correção dos dados (erros de soma e agregação) começaram há 30 anos no Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG) e só agora foram concluídos. A partir de um programa é possível utilizar o censo de 1872 na forma de base de dados, acessando tabelas configuradas na época e a combinação de elementos de acordo com o objetivo da busca. Para acessar clique aqui.
Racismo – Em resultados detalhados, o Censo de 1872 aponta o total da população de estrangeiros no Brasil: 382.132. Separa os brancos por origem. São 125.876 portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre outras nacionalidades. Os negros eram considerados todos do mesmo grupo: africanos. Segundo o documento eram 176.057 africanos vivendo no país, porém, divididos apenas entre escravos (138.358) e alforriados (37.699).
A partir das informações é notável ainda, o início da política de “embranquecimento” do povo, com a chegada dos primeiros grupos de imigrantes europeus. “A solução para o que era visto como um problema (a população negra e indígena) era o projeto de embranquecimento”, afirma José Luis Petruccelli, pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Em 350 anos de tráfico negreiro, entraram no país cerca de 4 milhões de africanos. Entre 1870 e 1930 vieram morar aqui praticamente 4 milhões de imigrantes europeus”, compara.
Abolicionismo – Quando o Censo foi feito, acabava de entrar em vigor no Brasil a Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) que tornava livres as crianças nascidas de mulheres escravas. Consequência de pressões nacional e internacional, ela foi sancionada em um momento em que o Brasil ainda registrava um significativo número de escravizados.
Os motivos que levaram o Governo Imperial a se empenhar em registrar os dados censitários da população da época são, até hoje, motivo de debate entre especialistas. Em 1885 foi promulgada a Lei dos Sexagenários, tornando libertos os escravos com mais de 60 anos. A Abolição da Escravatura ocorreu somente em 1888.O Brasil foi o último país a decretar a abolição.
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21 de janeiro: um dia contra o racismo


Por: Redação Correio Nagô*
21/01/2013
Há cinco anos o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionava a Lei nº 11.635 que transformou o 21 de janeiro o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

A data presta uma homenagem à Ialorixá baiana (mãe de Santo) Gildásia dos Santos e Santos, que faleceu na mesma data, em 2000, vítima de enfarto. Hipertensa, a Ialorixá teve um ataque cardíaco depois de ver sua imagem utilizada sem autorização em uma matéria do jornal evangélico Folha Universal, edição 39, com o título “Macumbeiros Charlatães lesam o bolso e a vida dos clientes”.

O texto ainda era ofensivo, contendo agressões às tradições de matriz africana. Para Silvany Euclênio, secretária de Políticas para as Comunidades Tradicionais, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), falar em tolerância não vai resolver a negação e a coisificação que recai sobre a população negra brasileira.

Silvany defende que já está na hora de se garantir o direito constitucional das pessoas vivenciarem livremente a sua cultura. “Por isso, proponho que no dia 21 de janeiro, se pense contra o racismo e em defesa da ancestralidade africana no Brasil, já que o enfrentamento ao racismo passa necessariamente pelo combate à violência contra a ancestralidade africana e vice-versa”, afirma.

Tradições e culturas
De acordo com gestora da SEPPIR, uma das facetas mais contundentes do racismo no país foi ter tolhido dos negros a possibilidade de viverem suas tradições e culturas, desde que aportaram no país para servir como mão de obra escrava.

A resistência registrada desde então, afirma Silvany, possibilitou a criação dos territórios tradicionais de matriz africana, locais de afirmação da identidade e subjetividade histórica e cultural dos negros.

Nesses espaços foram preservados valores civilizatórios, idiomas, indumentárias, práticas alimentares e de relação com o sagrado, com o meio ambiente e com a sociedade do entorno, garantindo a preservação de um modo de viver marcado pelo acolhimento e pela solidariedade.

“O que aconteceu com Gildásia mostra o desrespeito com que essas tradições são vistas ou recebidas. Ataques de violência - incêndios, depredações, assassinatos, calúnias - contra seus espaços, símbolos, casas, pessoas, são vividos cotidianamente pela população negra”, destacou a Seppir.

“Mesmo aqueles que não seguem suas tradições ancestrais ou não exprimem isso em seu modo de vida, não são poupados do racismo”, diz a secretária. “Basta apresentar características fenotípicas da população africana para se cair nas garras do racismo”, afirma.

Celebração – No dia em que se comemora a luta contra o racismo, a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, participará de celebração ao Dia de Combate à Intolerância Religiosa em São Paulo.

A titular da SEPPIR é convidada do prefeito da capital paulista, Fernando Haddad, na atividade que acontece no Vale do Anhangabaú, às 18h. A ação marcará também a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Sepir-SP), cujo titular é o senhor José de Paula Neto, Netinho de Paula.

A Sepir-SP constitui-se, de acordo com o seu gestor, em um grande marco na história do município no combate à discriminação e no enfrentamento às desigualdades raciais. A partir da instalação do órgão, a atual gestão da maior capital do país assume o compromisso de promover os direitos humanos na cidade de São Paulo.

*Com informações da assessoria da Seppir

Fonte: CORREIO NAGÔ

O racismo que vem do berço


Por: JULIANA ROMÃO
21/01/2013
Legenda:Foto: Cibele Araújo Racy Maria/divulgação
A fantasia de ser um grande herói ou uma linda princesa é uma das mais comuns na infância. Esse sonho, porém, não está disponível para todas as crianças. Quando uma menina negra imagina-se princesa, por exemplo, precisa negar suas características físicas e, ao mesmo tempo, valorizar como ideal outro biótipo: o da pele branca, dos cabelos lisos e do nariz afilado. Não se trata de um caso específico do mundo encantado. Na vida real, as crianças comportam-se e relacionam-se a partir da representação étnico-racial que encontram na sociedade. “Não é uma questão que envolve apenas o negro, mas sim o branco e toda a sociedade. A escola precisa trabalhar para reverter esse cenário”, defende a doutora em educação Lucimar Rosa Dias, consultora do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).

Essas mesmas relações de dominação étnico-racial estão presentes nos programas de televisão, nos tipos físicos dos bonecos, nos comentários dos adultos, nas coloridas fotos das revistas. Permeiam ainda todo o universo escolar, incluindo a educação infantil, onde normalmente a criança é vista como ator alheio ao preconceito e à discriminação.

Segundo Lucimar, esse olhar é uma falácia, e a imagem da criança como ingênua silencia o tema, como se ele não existisse, e retarda a busca por soluções. Em sua opinião, é preciso entender que realmente existem conflitos entre as crianças por causa dos seus pertencimentos raciais e que professores fazem escolhas baseadas nas características físicas, tornando mais do que necessária uma intervenção curricular e pedagógica nessa etapa da educação.

Desvantagem
Em conjunto com a equipe do Ceert, Lucimar Dias estudou resultados de pesquisas de mestrado e doutorado sobre relações raciais na faixa de 0 a 6 anos que destacam muitas situações de discriminação envolvendo crianças, professores, profissionais da educação e familiares. “Os estudos apresentam situações que mostram que aquelas que são negras estão em desvantagem, pois são as que mais vivenciam situações desagradáveis em relação às suas características físicas. Por outro lado, as crianças brancas recebem fortes informações de valorização de seu fenótipo”, relata.

Existe, portanto, a inferiorização de um grupo e a supervalorização de outro, o que é rapidamente percebido pelas crianças no ambiente escolar. Para a pesquisadora Antônia Eunice do Nascimento, da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), esse fato é herança de um processo de utilização de mão de obra barata e exploração dos colonizadores sobre os colonizados: “Pode-se perceber que existe uma relação muito próxima entre racismo e escravidão, baseada em interesses econômicos e sociais da população branca e europeia, que resultava em poder e superioridade”, explica ela em um artigo.

É na educação infantil que começa a conscientização das diferenças físicas. Nessa fase, as crianças negras começam a aprender sobre rejeição nas intensas relações vividas no espaço de estudo. “Nesse ambiente, a discriminação racial se dá pela aparência. São os atributos físicos os escolhidos pelos discriminadores para depreciar o negro. Em muitos casos, a criança incorpora essa depreciação, evitando sua identidade negra e tudo o que remete a ela”, ressalta a consultora do Ceert.

O trabalho do professor não é fácil, reconhece a especialista, porém é importante pensar na temática como estando inserida no currículo. “Se ele vai trabalhar as cores com a criança, os exemplos ou atividades podem estar relacionados ao tema”, sugere. Uma possibilidade é comparar as cores das flores e dos animais, mostrar a diversidade na natureza e depois passar para a diversidade de biotipos na sala de aula, por exemplo.

Legislação
Os danos gerados pela discriminação, o preconceito e o racismo (entenda a diferença no box da página 42) são conhecidos e reconhecidos pelo Estado, começando pela Constituição Federal, que prevê como currículo obrigatório as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro (art. 242). Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito à igualdade de condições para permanência na escola e para a preservação de valores e identidades, devendo as crianças e os adolescentes estar a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação ou tratamento vexatório. Por sua vez, a Lei nº 10.639/2003 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileira” e o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra, além da inserção nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs), em 2004, das relações étnico-raciais e do ensino das culturas afro-brasileira e africana.

Contudo, o suporte legal não garante uma mudança efetiva no tratamento das questões raciais no espaço interno aos muros da escola. Os avanços demandam engajamento das gestões escolares, determinação do corpo de professores e muita coragem para romper com a prática histórica de racismo, garantindo uma vivência pautada pelo respeito mútuo.

Segundo a gerente do núcleo da cultura afrobrasileira da Secretaria de Cultura de Recife (PE), não existem técnicas obrigatórias ou específicas para se trabalhar o assunto, e sim uma construção coletiva dos melhores caminhos a serem seguidos. “É preciso haver uma sensibilização para o tema, uma aproximação do professor com o conteúdo. Quanto mais ele se convencer da importância dessa discussão, mais vai procurar formas de superar isso”, explica Claudilene Silva.

Em sua pesquisa de mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Claudilene, hoje doutoranda, estudou a construção da identidade das professoras negras e avalia que o processo de sensibilização é particular e envolve muita reflexão e discussão sobre o assunto. “Há uma dificuldade de se autoidentificar e, quando o educador tem essa dificuldade, ele faz apenas o básico em sala de aula. É preciso trabalhar a identidade da professora antes de pensar em falar da cultura afro-brasileira”, defende a pesquisadora.

Questão legal

Quando o caso de racismo supera o âmbito escolar, deixando de ser uma questão que requer suporte pedagógico ou psicológico, de modo geral deve ser levado para a polícia, por meio da delegacia mais próxima, ou para o conselho específico nas cidades onde houver. O advogado José Antônio Carlos Pimenta, professor da PUC-Minas e fundador da organização não governamental Rede SOS Racismo, explica que o percurso dos episódios criminosos de racismos é árduo: “Sempre há certo constrangimento com o assunto e dificuldade da vítima, que precisa encontrar testemunhas”. O advogado salienta que os instrumentos legais existem, mas seu cumprimento é difícil. “Temos um Poder Judiciário que ainda está contaminado pelo racismo”, afirma. A Rede SOS Racismo é uma das entidades que acolhe e as vítimas de qualquer discriminação, especialmente as de ênfase racial, oferecendo-lhes suporte jurídico.

Manifestações racistas
Claudilene Silva destaca que as manifestações de racismo na educação infantil acontecem em vários âmbitos. Por exemplo, quando a criança tem negado o acesso à cultura afro-brasileira ou no momento em que uma criança se recusa a pegar na mão de outra de pele mais escura. Às vezes, tais manifestações também ocorrem na relação professor-aluno. “A escola não é só o professor. É preciso que a direção e todos os agentes do ambiente participem do processo”, alerta. Por isso, recomenda que a educação das relações raciais e a valorização da cultura afro-brasileira estejam efetivamente integradas às demais disciplinas e constem no planejamento pedagógico continuado: “O trabalho é permanente, e as questões devem ser levantadas cotidianamente com as crianças”.

Bonecas negras
Quando a supervisora da educação infantil da Secretaria Municipal de Educação de Jacareí (SP), Adriana Bertucci, recebeu a tarefa de iniciar uma ação afirmativa de valorização da cultura negra e promoção da igualdade racial, conforme manda a lei, montou uma proposta para ser discutida com os coordenadores das 34 escolas municipais de educação infantil e das 24 creches — quatro municipais e 20 conveniadas.

Além de trabalhar na construção do projeto, promover reuniões e buscar material de suporte didático, surgiu a ideia de povoar as escolas com bonecas e bonecos negros. Esse simples movimento confirmou a importância da reflexão sobre o tema. “Percorri todo o comércio de Jacareí e não achei bonecas negras. Tivemos de mandar fazer!”, conta Adriana.

As bonecas menores foram para as EMEIs, e as maiores foram encaminhadas às creches. “É muito importante que o trabalho seja feito com os bebês, pois eles já percebem as diferenças de tratamento”, explica a supervisora, que relembrando uma das conversas com as professoras das creches: “Comentei que, quando chega um bebê branco e com os olhos claros, ele percorre toda a escola, de braço em braço, e todos querem pegá-lo no colo. Quando chega uma criança negra, ela é tratada com carinho, mas a atenção não é a mesma”. Segundo Adriana, as educadoras concordaram que a atitude era real e que nunca haviam pensado a esse respeito: foi uma surpresa constatarem a existência do racismo em um ato quase imperceptível.

Na Creche Therezinha de Lourdes Vieira Recco, as bonecas multirraciais já estão alterando o cenário, com a criação de um cantinho das bonecas, que circulam de mão em mão. A professora do maternal Sabrina Barbosa afirma que o acesso às bonecas “diferentes” já deixou as crianças mais abertas à diversidade. “Apresentei a elas as bonecas negras, brancas e asiáticas, perguntando se conheciam alguém parecido, e muitas manifestaram interesse em brincar com uma boneca semelhante a elas”, explica. E o ato de ver uma criança interessada em uma boneca leva outra a também querer experimentar, fazendo com que os brinquedos circulem e todos tenham a oportunidade de observar as diferenças, pegar no cabelo, tocar na pele.

Para Lucimar Rosa Dias, do Ceert, a ideia mais importante é apresentar o tema e discutir os conceitos positivos sobre as diferenças. “É na educação infantil que se constrói a diversidade. Nossa luta é para que esse tema seja parte do cotidiano, com uma imagem positiva, que traga referências positivas de cultura, de africanidade”, destaca. Para ela, é desde bebê que se deve trabalhar a aceitação da diversidade. “A forma como se fala com o bebê, os comentários ao tocar seu cabelo, por exemplo, podem transmitir que aquele cabelo é gostoso e bonito ou que é ruim. E o bebê introjeta tal sensação”, alerta a pesquisadora.

Cada conceito em seu lugar

Preconceito — ideia preconcebida sem razão objetiva ou refletida. Por exemplo, pensar que as pessoas negras são pouco afeitas aos estudos e destinadas aos trabalhos manuais.

Discriminação — atitude ou ação que objetiva diferenciar, distinguir ou prejudicar um grupo com base em ideias preconceituosas. Por exemplo, quando uma professora não permite que uma menina negra represente a princesa em uma peça de teatro argumentando que as princesas são brancas.

Racismo — pressuposto de que existem raças superiores e inferiores, do que decorre a opressão de um grupo racial sobre outro, legitimando as desigualdades sociais, econômicas e acadêmicas.

Fonte: Lucimar Rosa Dias.


Um príncipe diferente
Com um casamento fora dos padrões convencionais, a EMEI Guia Lopes, de São Paulo, começou a romper a realidade até então estática de práticas racistas. A boneca-espantalho Sofia, feita pelos alunos para a horta da EMEI, casou-se na escola com um príncipe em uma cerimônia com festa, convidados e tudo a que eles tinham direito. O príncipe, no entanto, não era típico dos contos de fadas: para grande surpresa de toda a escola, Sofia casou-se com um boneco negro, o príncipe africano Azizi Abayomi. “A quebra do estereótipo do príncipe branco e de olhos azuis chocou os alunos e até mesmo muitos pais”, lembra a diretora Cibele Racy.

Onde encontrar material de apoio

Portal do MEC (www.mec.gov.br): diversas publicações, com destaque para o guia Educação Infantil e práticas promotoras da igualdade racial.

Ceert (www.ceert.org.br)

Instituto Avisa Lá — Formação Continuada de Educadores (www.avisala.org.br)

Rede SOS Racismo (redesosracismo.blogspot.com.br)


Quando o príncipe chegou à escola, detalha a diretora, as professoras perguntaram aos alunos se Sofia e ele poderiam casar, o que gerou uma séria de frases racistas por parte das crianças. “Não podem casar”, diziam. “Um preto não pode casar com uma branca”. Pediu-se, então, que trouxessem fotos dos casamentos dos pais e familiares. “Eles perceberam que há vários casais formados por pessoas brancas e negras. A partir de então, começaram a aceitar a ideia do casamento de Sofia com Azizi”. Os comentários continuaram quando, no trabalho sobre afrodescendência, surgiu a seguinte dúvida: como seriam os pais dos noivos?
— A mãe do Azizi é loira, porque preto só gosta de loira.
— Então como ele nasceu preto?
— Pintaram ele de preto.

Foram então trabalhados vários aspectos da história da África, estabelecendo-se um paralelo com a cultura brasileira. “Trouxemos um autor de contos africanos e estamos investindo em ações afirmativas durante todo o ano”, conta Cibele Racy. “Não sabemos bem no que isso vai dar, mas estamos levantando as questões para serem discutidas abertamente, mais através do exemplo do que do discurso”, afirma a diretora, antecipando o próximo “problema” do projeto: os noivos casaram e agora estão na lua de mel, mas vão ter filhos. De que cor serão as crianças? “Isso renderá muita atividade interessante em sala”, aposta ela.

O modo como as crianças se veem e são vistas pode começar a mudar a partir de variadas formas de trabalho em sala. Leitura de livros que retratem a cultura negra a partir de sua riqueza e realcem a beleza das características afro-brasileiras ou apresentação de imagens de heróis negros, músicas, tecidos típicos, culinária, produção de autorretratos e brincadeiras em frente ao espelho são algumas das dicas dos especialistas.

Fonte: GRUPO A

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A década da Lei passou em brancas nuvens na terra negra de Zumbi.


Por: Blog Cada Minuto
16/01/2013
A Lei nº 10.639/03 completou dez anos no dia 09 de janeiro de 2013.

Quando surgiu em 2003 a nova legislação foi saudada, nacionalmente, como uma segunda abolição: conhecimentos partilhados abririam espaços efetivos para que o currículo das escolas brasileiras exercitassem verbos como afirmar, igualar, respeitar a história do povo preto.

Uma espécie de desnudamento da lição de negação e impossibilidade ainda ensinada a tantos e muitos.

A lei surgiu como um capital cultural confrontando o poder político e ideológico da Europa que vive em terras africanamente brasileiras.

Em Alagoas, na terra negra de Zumbi, a implementação da 10.639/03 chegou tímida, mas ao longo de 4 anos, entre 2004 a 2008 fez o caminho da escola, dialogou com muitos e alguns mundos e apesar dos olhares de estranhamento confrontou a universalidade da historicidade brasileira.

A Lei nº 10.639/03 gestou em solo alagoano a pertinência da legislação estadual Lei Ordinária 6.814 (02/07/2007): “Autoriza o poder executivo, através da secretaria de estado da educação e do esporte e do conselho estadual de educação do estado de alagoas, a elaborar projeto para definir a inclusão nos currículos do ensino fundamental e médio das escolas da rede pública estadual, considerando a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileira”, determinada pela lei 10.639/03, e dá outras providências”.

Quando exercitada , durante um período, em terras da primeira República Livre e Negra da América Latina a Lei nº 10.639/03 decifrou o jogo do silêncio histórico, as variações das imagens construídas sobre o povo de pele preta. Vestiu o universo de meninos e meninas com uma cartela de possibilidades.

E, contraditoriamente (?) dez anos depois falhas estruturais na implementação da Lei em Alagoas ecoam de um modo substantivo. O trabalho cessou, silenciou, apartou-se.

Em dia 09 de janeiro, o silêncio social alardeou-se, como cúmplice do racismo que mata e aparta jovens, sufoca oportunidades e estrangula possibilidades.

Afinal, o que é mesmo controle social?
Silêncio!

Apesar da magnitude a Lei nº 10.639/03 os governos estrategicamente tem buscado reduzir seu significado com o sufocamento de espaços e a “adequação” de militantes a cargos no “ poder” (?).

A década da Lei nº 10.639/03 passou em brancas nuvens na terra negra de Zumbi.

O racismo é másculo!

Fonte: BLOG CADA MINUTO