O recenseamento é considerado
bastante completo por trazer o único registro oficial da população
escrava nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e fazer,
ainda, um inventário inédito das etnias indígenas
Por Daiane Souza, da Fundação Palmares
Marcado por um cenário de conflitos e
protestos pelo fim da escravidão, o século XIX no Brasil foi o único do
período colonial a ter um censo completo da população de escravizados.
Os dados deste censo foram disponibilizados pelo Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica da Universidade Federal de Minas Gerais (NPHED/UFMG) e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado (Fapemig).
O Censo, feito em 1872, foi realizado
com sucesso como parte das políticas inovadoras de D. Pedro II. O
resultado foi o registro de 10 milhões de habitantes, onde a população
escrava correspondia a 15,24% desse total. Os 10 milhões de pessoas
estavam distribuídos em 21 províncias, sendo cada uma subdividida em
municípios que, por sua vez, eram divididos em paróquias. Ao todo, eram
1.440 paróquias, as unidades mínimas de informação, que serviram de base
para o mapa disponibilizado.
O recenseamento é considerado bastante
completo por trazer o único registro oficial da população escrava
nacional, os imigrantes separados por nacionalidade e fazer, ainda, um
inventário inédito das etnias indígenas. De acordo com o levantamento,
58% dos residentes no país se declaravam pardos ou pretos, contra 38%
que se diziam brancos. Os estrangeiros somavam 3,8%, entre portugueses,
alemães, africanos livres e franceses. Os indígenas perfaziam 4% do
total dos habitantes.
Além da contagem da população, os
documentos apresentam informações específicas sobre pessoas com
deficiência, acesso à educação e profissões exercidas, entre outras. Por
exemplo, a profissão de lavrador era a que tinha o maior número de
trabalhadores na época, seguida por serviços domésticos. Entre as
profissões liberais, a de artista tinha maior representatividade,
inclusive entre a população escrava.
Censo de 1872 – De
acordo com o demógrafo Mario Rodart, coordenador do Núcleo de Pesquisa
Histórica Econômica e Demográfica da UFMG, um dos responsáveis pela
digitalização do Censo, àquela época o país já pensava estratégias para
acabar com a escravidão e passava por um processo racista de
branqueamento da população. “O foco das políticas públicas era todo
nesse sentido. Era necessário mapear quem estava vindo da Europa”,
disse.
O coordenador conta que a realização de
um ambicioso levantamento populacional num país de dimensões
continentais e dificuldades de transporte foi uma grande empreitada
daquele século. “Questionários foram enviados para 1.440 paróquias de
todo o país. Em cada uma delas foi criada uma comissão censitária,
responsável por levar uma cópia do questionário a cada casa”, explicou
Rodart.
As informações diziam respeito a sexo,
raça, estado civil, religião, alfabetização, condição (escravo ou
livre), nacionalidade e profissão. O questionário era preenchido por
cada chefe de família e devolvido à comissão competente. Quem não o
respondesse era penalizado com multa. Os resultados eram encaminhados
para a capital onde eram contabilizados manualmente para compor o censo
nacional.
São essas as informações hoje
disponíveis por meio da internet. A digitalização e correção dos dados
(erros de soma e agregação) começaram há 30 anos no Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG) e só agora foram
concluídos. A partir de um programa é possível utilizar o censo de 1872
na forma de base de dados, acessando tabelas configuradas na época e a
combinação de elementos de acordo com o objetivo da busca. Para acessar clique aqui.
Racismo – Em resultados
detalhados, o Censo de 1872 aponta o total da população de estrangeiros
no Brasil: 382.132. Separa os brancos por origem. São 125.876
portugueses, 40.056 alemães e 8.222 italianos, entre outras
nacionalidades. Os negros eram considerados todos do mesmo grupo:
africanos. Segundo o documento eram 176.057 africanos vivendo no país,
porém, divididos apenas entre escravos (138.358) e alforriados (37.699).
A partir das informações é notável
ainda, o início da política de “embranquecimento” do povo, com a chegada
dos primeiros grupos de imigrantes europeus. “A solução para o que era
visto como um problema (a população negra e indígena) era o projeto de
embranquecimento”, afirma José Luis Petruccelli, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Em 350 anos de
tráfico negreiro, entraram no país cerca de 4 milhões de africanos.
Entre 1870 e 1930 vieram morar aqui praticamente 4 milhões de imigrantes
europeus”, compara.
Abolicionismo – Quando o
Censo foi feito, acabava de entrar em vigor no Brasil a Lei do Ventre
Livre (28 de setembro de 1871) que tornava livres as crianças nascidas
de mulheres escravas. Consequência de pressões nacional e internacional,
ela foi sancionada em um momento em que o Brasil ainda registrava um
significativo número de escravizados.
Os motivos que levaram o Governo
Imperial a se empenhar em registrar os dados censitários da população da
época são, até hoje, motivo de debate entre especialistas. Em 1885 foi
promulgada a Lei dos Sexagenários, tornando libertos os escravos com
mais de 60 anos. A Abolição da Escravatura ocorreu somente em 1888.O
Brasil foi o último país a decretar a abolição.
Tags: Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, D.Pedro II, escravidão, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado, IBGE, José Luis Petruccelli, Mario Rodart, Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica, UFMG
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