quinta-feira, 20 de junho de 2013

APARTHEID SOCIAL

 

18/06/2013 20h45

A segregação racial vivenciada pelos negros brasileiros coloca em cheque o Estado Democrático de Direito amplamente alardeado no país. Em 2010, 97 milhões de pessoas se declararam negras ou pardas, no entanto, os negros apesar de serem maioria da população continuam ausentes do Congresso Nacional, do alto escalão nos cargos públicos, dos clubes privados, nos teatros da elite, nos restaurantes luxuosos, enfim dos espaços que permitem visibilidade e poder.
O Estado de Direito pressupõe que somos todos iguais perante a lei, já o Estado Democrático versa sobre a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político, todos conferindo participação da sociedade no trato da coisa pública.
Nesse aspecto, o racismo ultrapassa a visão jurídica da lesão ao princípio de igualdade para fundamentar-se num processo histórico formulado por teorias e comportamentos específicos de supremacia de uma raça. Guimarães (2004) compreende o racismo como o tratamento desigual de pessoas nas mais variadas situações sociais, baseado na idéia de superioridade, e consequentemente também de inferioridade racial.
Enquanto em outros países foram adotadas estratégias jurídicas que garantiam a discriminação dentro da legalidade, por meio de políticas oficiais do apartheid, no Brasil a lei garantia iguais direitos para absolutamente todos e todas, mas como silêncio não é sinônimo de inexistência, o racismo no Brasil se instalou primeiro cientificamente depois pela ordem do costume (Schwarcz, 2012).
Observa-se que esse processo histórico vivenciado no Brasil tem superado as leis que foram sancionadas com a finalidade primeiro de punir, depois de criminalizar o racismo. Em que pese a necessidade e o avanço dessas leis no país, o fato é, que elas tem sido insuficientes frente ao racismo velado dos brasileiros que discriminam afirmando não discriminar.
A declaração da mestre em lingüística e professora de inglês Cris Oliveira publicada no Geledés Instituto da Mulher Negra, dia 2 de junho de 2013, ratifica a assertiva. Após discorrer sobre sua experiência racial na Alemanha onde reside disse a professora: “Me choca o fato de que em Salvador, cidade onde eu nasci, apesar de mais de cinqüenta por cento da população ser negra, ainda é possível ser a única negra no restaurante, na aula de ballet, na sala de espera de um consultório chique, na sala de professores particular”.
Nesse aspecto, a professora continua expondo a naturalidade com que sociedade brasileira observa essa realidade, nenhum estranhamento desses lugares historicamente demarcados. Ninguém pergunta porque em determinadas escolas de classe média e classe média alta não há um aluno negro, apesar da população negra compreender 97 milhões de pessoas.
Não há comentários em jornais ou revistas sobre o alto índice de violência em desfavor dos jovens negros, pois em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros, foi de 72, para cada 100 mil habitantes, enquanto os de jovens brancos foi de 28,3, por 100 mil habitantes. Os dados fazem parte do “Mapa da violência 2012: A cor dos Homicídios no Brasil” divulgado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos – (CEBELA), Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais - (FLACSO) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR/PR.
Assim, como paira absoluto silêncio sobre 50% da população negra ter uma renda inferior a dois salários mínimos, bem como até o final da década do século XX, e mesmo entrando no século XXI, só 15% da população negra ter acesso à universidade, ou mesmo da indigência ser negra.
Nesse sentido as cotas nas Universidades Públicas são uma forma de incorporar os negros, ajudando-os a ter um lugar de visibilidade na sociedade, no entanto, até o presente momento ainda não impactou significativamente as desigualdades raciais. Assunto polêmico, as ações afirmativas estão longe de ser consenso dentro do governo e na sociedade como um todo.
Sem conhecer de fato as questões étnicorraciais que permeiam o país, alguns autores afirmam que as cotas são uma forma de ratificar o racismo biológico. Assim, faz-se necessário uma conscientização da população negra no sentido de recusar o papel de invisibilidade colocada para os negros..
É necessário ainda, reivindicar a ocupação de outros espaços que não só as universidades, por exemplo, o Congresso Nacional. Atualmente, somente 8,9% da Câmara dos Deputados é ocupada por negros e no Senado Federal apenas um Senador se declara negro, ou seja, definitivamente não presenciamos um Estado Democrático de Direito.
Não existem vitórias sem lutas. Neste exato momento o Brasil todo manifesta contra as políticas adotadas pelo Governo priorizando construir estádios para sediar a Copa do Mundo ao invés de investir em saúde, educação e transporte de qualidade para a população.
Assim, são as pautas que envolvem as questões étnicorraciais, enquanto a população negra não acordar para reinvidicar equidade nas relações de trabalho, acesso as Universidades Públicas, saúde, educação de qualidade, enfim... não existem espaços vazios, assim enquanto os negros não assumirem os espaços deste país que ajudaram a construir, este mesmos espaços estarão sendo ocupados pelo racismo velado que campeia no Brasil.
por Marcia Maria da Silva, Psicóloga e Servidora Pública para O MIRACULOSO

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