segunda-feira, 3 de junho de 2013

"Confundimos preconceito racial com social", diz baiano protagonista de "Faroeste Caboclo"

Por: Folha da Bahia
03/06/2013
O ator formado pela Escola de Teatro da Ufba tem mais de dez anos de carreira, com experiência em teatro, televisão e também no cinema.

O baiano Fabrício Boliveira (31 anos) estreia como protagonista no cinema em Faroeste Caboclo. O ator formado pela Escola de Teatro da Ufba tem mais de dez anos de carreira, com experiência em teatro, televisão e também no cinema.



Fabrício já atuou em diversas novelas na Globo desde 2006 e no ano passado interpretou um dos personagens principais da série Subúrbia. O cinema tem despertado o interesse e aberto portas para o ator. Já participou de outros três longas-metragens (A Máquina, 400 Contra 1 e Tropa de Elite 2).



Nesta entrevista, concedida na visita do ator a Salvador para o lançamento de Faroeste Caboclo, ele fala sobre o personagem João de Santo Cristo, preconceito racial e social e o trabalho na televisão e no cinema. Dentre os planos de Fabrício Boliveira para 2013, estão uma peça, um filme sobre o Planet Hemp e um doc-ficção sobre Milton Nascimento.



René Sampaio, diretor de Faroeste Caboclo, buscava um ator baiano para o papel do João de Santo Cristo. Por que você acredita que foi o escolhido?

Pensando no teste que eu fiz, estava preparado para contar essa história, com amadurecimento profissional e pessoal. Eu já tinha mais de dez anos de carreira e essas questões brasileiras do João de Santo Cristo borbulhavam dentro de mim.



O filme e a música não constroem um maniqueísmo. João é vilão e é herói, bandido e mocinho. Como você vê isso enquanto ser humano?

Esse lugar de não maniqueísmo é o que a gente carrega. Eu tenho um vilão, a violência, por exemplo, dentro de mim. Graças a Deus sou ator e consigo jogar isso pra dentro do meu trabalho. Na gravação do filme, um cara em Brasília queria tirar uma foto da Ísis (Valverde) de qualquer jeito no meio da preparação. Eu falei: “Não, bicho, a gente está trabalhando, por favor!”. Ele respondeu: “O que você quer, seu negão filha da puta?”. Eu podia ter caído em cima do cara naquela situação e não ter feito o filme, ter ficado preso, por exemplo. Sei lá quem era esse cara, qual o grau de violência que a gente ia ter um contra o outro. A gente está nesse lugar da escolha. Nem todo mundo é tão preconceituoso assim e ao mesmo tempo é preconceituoso sim.



Para você, a história do personagem é atemporal?

É atemporal porque muita coisa se perpetua. A intolerância com a violência, acho que a gente está num instante de explosão disso. Muito da violência e da agressividade é ver no outro uma possibilidade de ser você. Tem também a questão do negro, que até hoje perdura no Brasil.



Você é vítima de preconceito?

A gente confunde muito aqui o preconceito racial com o preconceito social e são coisas totalmente diferentes. Posso dizer que na minha vida isso também é um exemplo. Eu moro no Rio de Janeiro, tenho um carro grande e sou parado pela polícia em todas as blitze. Eles me perguntam sempre: “O que é que você faz da vida, negão?”. Então, acho que não tem a ver com a coisa social. Tem a ver com o racial mesmo, com esse olhar viciado de ver o negro naquele lugar de escravo.



Na Bahia você acha que existe alguma flexibilização desse preconceito?

Aqui na Bahia acontece em graus diferentes, por ter negros em várias classes sociais. De algum jeito você já não olha com tanta desconfiança porque sabe que aquele cara pode ser o filho de um advogado. No Rio de Janeiro, como estão todos no subúrbio ou nas comunidades, então um ou dois que circulam pela Zona Sul são quase que perseguidos.



Você começou na televisão interpretando um escravo, na novela Sinhá Moça (Globo, 2006). Como foi aceitar o papel naquele momento?

Era importante estar na televisão para mim e também contar essa história. Acho que a gente já contou demais essa história. Hoje eu não aceitaria fazer mais um personagem nessa situação, porque acredito que a história do negro já foi para mil outros lugares que a gente não revisitou dentro do Brasil. O Zumbi, por exemplo, a gente não ouve falar, nem das pequenas revoltas que aconteceram aqui na Bahia. Estamos sempre na situação de negro meio bicho. Acho que isso já foi contado demais na televisão brasileira. Naquele instante para mim era importante contar aquela história, pela oportunidade de estar levando meu trabalho como ator baiano para o eixo Rio São Paulo.



O que você aprendeu fazendo este papel?

Foi um grande aprendizado. Ainda como bicho, como ator, eu não conseguia me reconhecer naquela situação de escravo. Na última cena da novela, eu vivi claramente uma situação que eu via que tinha a ver com a minha ancestralidade. No momento da liberdade, que a gente estava saindo das senzalas e estavam subindo os italianos, aí eu entendi a cabeça do povo brasileiro. O que ficou de preconceito dentro disso, a situação do negro hoje no Brasil, sempre ligado à miséria, porque naquele instante eles saíram dali de mãos vazias.



Você foi protagonista da série Subúrbia (Globo, 2012). Você vê a série como uma virada por ter o negro e o morro como protagonistas?

Foi uma grande virada dentro da televisão. Era um personagem negro e o recorte da história era através dos olhos dele. Foi um ciclo que se fechou ali, do entendimento de como agora a gente tem voz, de que a situação precisa ser outra. Também poder contar uma história que não está ligada só a cor, que está ligada a sentimentos, a emoções do humano. Subúrbia trazia isso. Era visível que o personagem (Cleiton) era negro, não precisava mais discutir isso dentro da série.





Você está no elenco de Isso é Calypso – O Filme?

Nunca estive. Não sei porquê estão anunciando isso. Eu sou muito amigo do diretor Caco Souza, a gente fez um filme juntos, 400 Contra 1 (2010). Eu brincava com ele que queria fazer uma trava (sic) no filme, interpretando a Joelma. Isso foi antes de acontecer toda essa história. Acho que a Joelma é tão uber feminina que é quase uma travesti de tão feminina.



Quais são os trabalhos planejados para 2013?

Estou ensaiando Filodendro, uma peça com Felipe Abib (que interpreta Jeremias em Faroeste Caboclo), que estreia no final de junho, no Rio de Janeiro. Tem também o filme do Planet Hemp, que gravo no segundo semestre. Interpreto Skunk, que descobre o Marcelo camelô e tem a ideia do Planet Hemp. Quando o Planet vai estourar, o Skunk morre. É meio um filme homenagem do Marcelo para o Skunk, que foi tão importante na vida dele. Tem ainda a possibilidade de fazer um doc-ficção sobre o Milton Nascimento, dirigido pelo antropólogo Marcelo Fortaleza. A parte documental já foi rodada e eu faria os momentos ficcionais da vida do Milton.



E na TV tem algum projeto?

Nada por enquanto. Acho que eu estou tão preenchido com essa coisa do cinema agora, que tem que ter um bom convite de televisão para eu aceitar. Subúrbia pra mim é um dos melhores. Eu tinha feito Tempos Modernos e estava um pouco desgostoso com a coisa de sempre a gente estar fazendo uns personagens ali no canto. E vi que o cinema estava me abraçando de forma calorosa. Com Subúrbia eu voltei atrás e vi que tem ainda uma possibilidade de um ator negro ser protagonista e ter a história dele sendo contada.

Tem o Lázaro Ramos, que é baiano também.

É baiano, mas parece que tem cotas pra isso. É uma brincadeira que eu faço: não sei, eu acho que só tem o Lázaro, né? Existem eu, o Sidney Santiago, o Flávio Bauraqui, muitos atores negros que não têm oportunidade de ter uma história sendo contada por eles, que eu acho que é o grande bacana.

Fonte: Folha da Bahia

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