Entre os países da América
Latina, a Argentina, Chile e Uruguai têm os assassinatos em 12ª
colocação, enquanto na Europa Ocidental, que inclui países como
Inglaterra, França e Espanha, as mortes violentas ficam em 50ª lugar
Reportagem é de Viviane Tavares e publicada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Em quase todos os países do mundo, assim como no Brasil, as principais causas de mortesentre
as pessoas são doenças como as cardíacas, isquêmicas, acidentes
vasculares cerebrais, câncer, diarreias e HIV. Mas, outro fator vem
ganhando as primeiras posições nas últimas décadas: o da violência.
Segundo dados da Vigilância de Violências e Acidentes do Sistema Único
de Saúde (Viva SUS 2008-2009), o homicídio tem ficado em terceiro lugar
do ranking de causas de mortes dos brasileiros e, estratificando-se
pela faixa etária de 1 a 39 anos, este número alcança a primeira
posição.
Ratificando este índice, de acordo com a pesquisa Global Burden of Disease (GBD) –
Carga Global de Doença, em português, publicada neste mês pela revista
inglesa The Lancet e organizada pela Universidade de Harvard, dos
Estados Unidos, o Imperial College, de Londres, e a Organização Mundial
da Saúde (OMS), o fator violência é apontado como a principal causa de
mortes entre jovens no Brasil e Paraguai. Entre os países da América
Latina, a Argentina, Chile e Uruguai têm os assassinatos em
12ª colocação, enquanto na Europa Ocidental, que inclui países como
Inglaterra, França e Espanha, as mortes violentas ficam em 50ª lugar.
Dados nacionais desenvolvidos pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência daRepública (SDH), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Observatório de Favelas e
o Laboratório de Análise da Violência (LAV-Uerj) divulgados no mês de
dezembro de 2012 destacam a parte deste número de homicídios que
acontece ainda na adolescência. De acordo com o Índice de Homicídios na
Adolescência (IHA), criado em 2007 por estas instituições, o número de
mortes entre jovens de 12 a 18 anos vem aumentando ao longo do tempo.
Para cada mil pessoas nesta faixa etária, 2,98 é assassinada. O índice
em 2009 era de 2,61. Este índice representa cerca de 5% dos casos de
homicídio geral. Entre as principais causas de homicídio está o conflito
com a polícia. E o estudo aponta uma expectativa não muito animadora:
até 2016 um total de 36.735 adolescentes poderão ser vítimas de
homicídio.
Para Luiz Eduardo Soares, cientista
político e especialista em segurança pública, esse quadro já não é
novidade para quem estudo o assunto, mas traz uma reflexão urgente. “Há
20 anos estamos vendo este cenário se repetir. E é isso que o torna cada
vez mais grave porque sabemos quem são as vítimas, mas não somos
capazes de ajudá-las, de reverter estas estatísticas”, lamenta.
Doriam Borges, do LAV-UERJ e um dos responsáveis pelo levantamento do IHA, explica que o índice de homicídios entre
os jovens expressa a metamorfose que a violência vem sofrendo ao longo
do tempo. “Nas décadas de 1960 e 1970, a violência era caracterizada por
assalto a bancos e, embora houvesse homicídio e latrocínio, o número
era menor. Atualmente, o tráfico de drogas nacional e internacional foi
ganhando força no país, mas o que é mais relevante é o aumento do
tráfico de armas e a facilidade de acesso a estes instrumentos”,
explica.
Além de idade, as vítimas têm cor
Em artigo publicado pela Carta
Capital em agosto do ano passado, ‘A violência contra jovens negros no
Brasil’, o especialista em análise política pela Universidade de
Brasília (UNB) e ex- consultor da Unesco e da Fundação Perseu
Abramo para o tema das relações raciais e de juventude, Paulo Ramos,
aponta que o diagnóstico apresentado ao Conselho Nacional de Juventude
(Conjuve) pelo Governo Federal, baseado no DataSUS/Ministério da Saúde e
no Mapa da Violência 2011, mostra que em 2010 morreram no Brasil 49.932
pessoas vítimas de homicídio, um total de 26,2 para cada 100 mil
habitantes. Dessas vítimas, 70,6% eram negras.
No mesmo ano, 26.854 jovens entre 15 e 29 sofreram homicídio, ou seja,
53,5% do total de vítimas em 2010. Destes 74,6% eram negros e 91,3% do
sexo masculino. Paulo Ramos reforça ainda que faltam força e organização
política para a mudança deste cenário. ‘Existe uma dissonância entre
elementos fundamentais para o êxito de uma ação que vise combater os
homicídios de jovens negros. Para estas políticas, quando há orçamento,
não há reconhecimento de diferenças; quando o projeto aborda a juventude
negra, não há recursos. E quando há reconhecimento com recursos, não
existe foco nos jovens mais vulneráveis’, explica, no artigo.
Em entrevista à EPSJV/Fiocruz, o consultor relembrou que estes índices de violência aos jovens negros vêm
sendo apontados há muito tempo pela sociedade civil e por organizações
não-governamentais, mas pouco tem sido feito para mudar essa realidade.
“Se pegarmos o histórico, em 1968 foi lançado um livro chamado ‘O
Genocídio do Negro no Brasil’; uma década depois, em 1978, foi criado
o Movimento Negro Unificado, um ato cujo estopim foi a morte de alguns
negros em São Paulo. Fora isso, existem iniciativas de comunidades
negras como a criação de uma carteirinha contra a abordagem violenta de
policiais, entre outras. Apesar disso, continuamos vendo em dados e
estatísticas os mesmos resultados. Precisamos ir além para não vermos
mais isso se repetindo”, analisa.
A edição de 2012 do Mapa da Violência:
‘A cor dos homicídios no Brasil’ desenvolvido pelo Centro Brasileiro de
Estudos Latino-Americanos, Secretaria de Políticas de promoção de
Igualdade Racial e a Flacso Brasil mostra que este índice está
aumentando ao passar das décadas. A pesquisa mostra que entre 2002 e
2010, segundo os registros do Sistema de Informações de Mortalidade
(SIM), morreram no país 272.422 cidadãos negros, com uma média de
30.269 assassinatos ao ano. Além disso, destaca ainda o ano de 2010 como
o mais crítico, por ter um somatório de 34.983 mortes por essa causa.
“Várias pesquisas há muito tempo têm
mostrado que as vítimas são preferencial jovens, negros e solteiros. No
estudo realizado pela LAV-UERJ em parcerias com as outras instituições, é
possível perceber que os adolescentes negros têm quase três vezes mais
chances de serem vítimas de homicídio do que os jovens brancos da mesma
faixa etária”, explica o pesquisador Doriam Borges. E completa: “Vivemos
em uma sociedade socialmente e racialmente desigual. E elas têm uma
relação muito forte. Não é que os negros deveriam ser mais vítimas, mas,
por conta de toda essa desigualdade social, eles continuam sendo
vítimas porque já são vítimas de tantas outras violências há muito
tempo”.
Violência e políticas públicas
O relatório do Sistema de Vigilância de
Violências e Acidentes (Viva SUS), a ser divulgado no início deste ano,
mostra que os indivíduos do sexo masculino representaram a maior
proporção dentre os atendimentos de casos de violência realizados
pelo SUS, totalizando 71,1%. Além disso, ele estratifica, evidenciado
que a faixa etária de 20 a 30 anos concentra 34,8% deste montante; e os
atendimentos envolvendo pessoas com cor da pele parda e preta são de
51,4% e 17,8%, respectivamente.
Deborah Malta, coordenadora
de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da
Saúde, explica que o Ministério tem feito diversas estratégias para dar
suporte à implementação de políticas públicas nessa área. “Enquanto
política setorial, temos reportado as ações sobre mortalidade, apoiando
os estados para que desenvolvam projetos específicos de prevenção,
proteção e vigilância. Além disso, o Ministério da Saúde vem
desenvolvendo projetos de capacitação de equipes de saúde em relação a
acidentes e violência e ao trabalho de notificação de vítimas de
violência. Mas, como a compreensão deste tipo de violência está muito
relacionada a um conjunto de questões sociais, muitas vezes extrapola a
capacidade de intervenção e de dar respostas do setor de saúde”,
explica.
No entanto, Paulo Ramos critica a falta
de políticas públicas, especialmente de saúde, focadas nesta população
negra. “Hoje o Ministério da Saúde desenvolve ações para as mulheres,
que acabam atendendo às necessidades das jovens negras, mas políticas
especificamente para os homens não existem”, analisa.
Doriam Borges concorda que as políticas
públicas existentes hoje são muito abrangentes e que precisam ser mais
focalizadas a públicos específicos. “É preciso em primeiro lugar uma
política séria de desarmamento. A chance de os jovens morrerem por arma
de fogo é muito maior do que por outros meios. Além disso, é importante
que se criem políticas específicas de prevenção e redução de homicídios
contra adolescentes e jovens, que é o público alvo. Não temos políticas
específicas de violência letal. Temos algumas políticas mais
abrangentes, como as de segurança pública, mas, muitas vezes, as
políticas públicas de segurança acabam sendo mais reativas, e nós
precisamos de políticas preventivas na área de letalidade de juventude”,
comenta. De acordo com a pesquisa do IHA, o risco de morte com arma de
fogo entre adolescentes é seis vezes maior do que por outros meios.
Como forma de orientar políticas
públicas mais específicas, as instituições responsáveis pelo IHA também
criaram o Guia Municipal de Prevenção da Violência Letal contra
Adolescentes e Jovens com intuito de proporcionar uma metodologia de
orientação aos gestores municipais na elaboração de políticas públicas
voltadas para a redução da violência desta faixa etária. “Nesse guia,
damos algumas orientações sobre como os gestores podem desenvolver
políticas públicas. Cada cidade precisa de políticas específicas para
suas realidades”, aponta Doriam.
(Foto de capa: Tânia Rêgo/ABr)
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